Dois poemas de Bárbara Rachel
Silêncio/O único som/além do cano da armas/De maafa/A atravessar/Nossos corpos/Pretos/Ilógicos/Ameaçamos você?
Silêncio/O único som/além do cano da armas/De maafa/A atravessar/Nossos corpos/Pretos/Ilógicos/Ameaçamos você?
você não faz ideia do quanto é pungente enxergar outra mulher. é como assar milho em uma fogueira e queimar a mão.
Palavra bruta refletida no corpo: Anna dos Santos percorre o perímetro da casa e os espaços da cidade como quem viaja para dentro de si.
Certa vez meu pai me disse que a vida é assim: ninguém vive sozinho ninguém além de mim.
Colocar-se vulnerável para outra mulher não consiste em reproduzir a cultura misógina e patriarcal.
queria eu ser uma dessas maçãs, oxidando à janela, reconhecendo seu fim. em silêncio.
Ainda assim, no escuro se escreve. Para que não sejamos invisíveis, e para que a memória venha à luz.
eu corpo morto eu corpo anticorpo flores d’uma estátua em pedaços eu corpo torto disforme na língua nos olhos nos braços
A experiência da pandemia é traumática porque desafia nossa capacidade, sempre renovada, de conferir sentidos ao real e projetar futuros.
tudo é caótico e as notícias, bombas atômicas mal-emitidas o sol vai embora antes das onze, a manhã já não conhece a própria calma
À distância, todas nós e ela toda, que dança, rodopia, isola e escandaliza. Seis face dela, e por ela, afinal, estamos.
Prometi que minha poesia não seria autobiográfica/intimista fiquei impactada com a frase de Clarice em Água Viva "quero ser bio"
Entre quatro paredes esse medo fica visível, próximo, mais evidente. Assim como fica mais tênue o limiar entre a sanidade e loucura.
Abraçar o silêncio é também uma forma de existência, a ausência de voz também quer dizer algo.
Uma pandemia é tragédia que afeta pessoas de formas diferentes. Mas, em muitas e muitos Indígenas, ela acorda traumas geracionais.
as maritacas de tanto que gritam ninguém ouve e na permanência do som no silêncio dos surdos é que elas são elas
Irmanadas no desejo de cura coletiva, cuidamos, por estes dias, em aquietar as palavras na página como forma de resistência e espera.
Não te importa o claro ou o escuro desses destroços ou se sou eu que aqui habito ou se são as baratas da louça tanto faz né?
com a mesma mão que assino documento cheque recibo de hotel a contracapa dos meus livros
em charque estendida ao sol salga os olhos dedos encardidos estouram-se bolhas debaixo dos pés quando se justo fosse seriam sabões