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Mantra/Sob a proteção da espada de Iansã – release

Atualizado: 18 de jul. de 2020

Rito de passagem desenhado no corpo durante a noite e seus trabalhos¹


© Bianca Garcia

A poeta pernambucana Danuza Lima articula, em Mantra e Sob a proteção da espada de Iansã, de forma potente e sensível, marcas de vivências historicamente relegadas ao papel de coadjuvantes: a narrativa da mulher preta, da mulher lésbica, da mulher que ousa acessar saberes que habitam no íntimo do corpo. Trabalha a sinergia dos afetos e leva o leitor a uma experiência extrassensorial. A mulher amada – em sua subjetividade e também materialidade, corpo, pele, odores, fluidos – se entrelaça aos elementos da terra ("a minha mulher carrega a destreza de ser ela e eu/e entra pelo dia/tendo o sol na cabeça/e o cheiro nosso/na ponta dos seus dedos"). Há o resquício da mulher bruxa que habita em cada uma de nós, e repousa em plumas de alquimia. O olhar de si refletido na outra funciona quase como um espelho. É o entendimento de ser mulher e dedicar o amor a sua semelhante.


Em Mantra, a relação presença-ausência é o mote, com alusões aos astros e à própria astrologia também ao longo de toda a obra, sugestões metafóricas que dão conta de conduzir o olhar para cenários que mais parecem memórias extraviadas do mundo. Carrega em sua poética o modo singelo de falar de brutas partes do corpo humano (metacarpo, músculo, bíceps, deltoide) como matéria planetária, a sensação de levitar em forma de repetidos mantras visuais. O movimento de desafiar o espaço e as leis da física se mostra fácil tarefa quando os corpos se enredam e dançam no mesmo ritmo do desejo. A alienação provocada pelo amor entre mulheres é legítima e sacral.


A relação entre a estrutura do corpo humano e a ideia de casa é profundamente explorada em Sob a proteção. A autora se detém no detalhamento das formas e suas possibilidades poéticas, além de fazer vasta referência à flora, que permeia a maioria dos poemas que compõem a obra. A proteção acontece a partir do sertão que habita o eu lírico e retoma o abrigo nas “maçãs do diabo”, que urge e arde pelo efeito alucinógeno provocado pelo toque das peles. Evoca, assim, uma planta acreditada pelos árabes como afrodisíaca, a mandrágora, cuja fonética contrasta com a delicadeza do léxico comumente utilizado em poemas clichês de amor. “A língua é uma fúria” por dizer, em movimentos lascivos, aquilo de que o corpo tem ânsia, e que por muito tempo foi reprimido. Língua também é corpo, e corpo é, sobretudo, palavra: salmos escritos no riso, oração, verbo, “verdade enfim”.


Dois livros de poesia que falam – às vezes através da prosa – sobre sexo sem dizer o óbvio. De forma sagrada e transcendental (“este corpo é seu reino:/[...]/espaço vão labirinto espectro de bruxas”), explora todas as zonas erógenas que passam despercebidas pelas imagens já consolidadas pela pornografia. Colocar-se vulnerável para outra mulher não consiste em reproduzir a cultura misógina e patriarcal. É despir-se dos próprios entraves e tabus, segura e transparente, tal como "embarcação da sede, pássaro que pousa, peixe que se debate" ou um "fino voile do amor", pelo viés do sagrado feminino.



mantra/sob a proteção da espada de iansã | danuza lima

volume único vira-vira, 25 combinações de capas diferentes

2020

ISBNs: 978-65-990969-0-7/978-65-990969-1-4

36 p.

R$30,00









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¹ Danuza evoca Alejandra Pizarnik não somente na epígrafe de Mantra, mas durante "a noite e seus trabalhos", ao desenhar no corpo com suas palavras, tal rito de passagem que "se abre/à delicada urgência do sereno" (Pizarnik, 1965).


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