23.
surgiu uma mariposa no meu banheiro
há alguns dias, bem pequenina,
menor que a unha.
ela fica no mesmo lugar:
toalha da minha avó.
parada.
o dia inteiro.
e às vezes, enquanto
eu mijo, ou
enquanto eu cago,
ou enquanto escovo os dentes,
fico ali olhando para ela.
e até creio que ela olhe para mim também.
fico ali buscando significados para ela.
e até creio que ela faça o mesmo.
relativizando e contextualizando toda uma vida,
refazendo e reinventando todos os passos.
e a mariposa ali,
como quem passa pelo mesmo lugar todos os dias,
mas só olha pelo rabo do olho.
me lembra você.
34.
queria eu
ser uma dessas maçãs,
oxidando à janela,
reconhecendo seu fim.
em silêncio.
37.
o ano
passou
como um rato
nas noites escuras,
onde
só ele vê a si mesmo,
e todos dormem.
44.
traçar uma linha percorrendo suas curvas,
conectar os pontos das suas costas e
formar constelações.
te escrever um poema sobre
bares, montanhas e cachorros.
comprar uma van e
fazer ovos fritos.
comer os ovos fritos
ter filhos e nomeá-los
com l ou i ou a ou u ou g,
comprar verduras
e transar à noitinha
enquanto o sol se põe,
ou de manhã, enquanto ele nasce,
ou quem sabe à tarde,
quando o céu é rosa.
_
Lorena Medronho tem 22 anos e mora no Rio de Janeiro. Poeta, contista, pesquisadora e cientista ambiental em formação, já teve dois livros publicados em coletânea com a FLUP e atualmente está prestes a lançar sua primeira obra solo: Me avise quando for desligar a luz.
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