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Foto do escritorBeatriz Malcher

Claquete – poesia


Robert Frank ©


claquete



tomada 1


o diretor não dirige

o carro está do lado de fora

dando instruções que vocês

ignoram

 

p.ex:

ele manda você se virar

pro banco de trás

olhar em direção à câmera e dizer

qualquer coisa pra plateia ele quer

copiar frame por frame fala por fala

a cena daquele filme

do godard

 

mas você não quer que ninguém te compare

com ele você sabe que sairia

perdendo


tomada 2


vocês zigzagueiam os carros

param atrás de um caminhão

ele carrega uns troncos

pode ser reflorestamento

 

você diz

seria engraçado se essas estacas

caíssem atravessassem nossa janela

seria engraçado se a gente morresse

 

o diretor não acha graça

manda vocês ultrapassarem o caminhão

não fica bem na câmera

 

mas vocês continuam ali

perturbando a câmera

esperando o acidente

 


tomada 3


o diretor quer que vocês

parem

no próximo posto

acendam um cigarro

comprem um revólver

matem um homem

deem seus pulos

pra salvar o filme

mas vocês não são ferdinand marianne

vocês não são bobos nem nada

vocês não sabem fugir vocês têm muita

pressa vocês quase

se atropelam


tomada 4


o diretor quer que o ator

fale coisas de amor

you jump i jump

ou

you have bewitched me

body and soul

ou

i wish i had done everything

on earth with you

 

o ator te olha

e diz

eu poderia te matar agora

te triturar inteira

e guardar teus restos

num tronco de eucalipto

 

o diretor se irrita

isso não está no script

isso não é um filme

de terror

 

mas você ri você gosta você

quase chora você sabe:

essa é a declaração mais bonita

que você já ouviu


tomada 5


você quer dizer

acho que nunca te amei

tanto quanto

eu te amo

agora

 

mas só consegue perguntar

por que a gente não dá

mais um tiro?

 

o diretor não gosta dessa droga

mas usa mesmo assim 





Beatriz Malcher é uma niteroiense exilada na cidade do Rio de Janeiro, onde mora com a cachorra Baleia. Doutora em Teoria Literária pela UFRJ, dá aula de literatura, oficinas de poesia e é autora da peça Onde está Liz dos Santos? (2021), da dramaturgia Carro Alegórico (Hecatombe, 2021) e das plaquetes de poesia O Álbum dos Carros (Ed. Primata, 2023), Sophia Loren não liga pro futuro (Fictícia, 2023) e Telemar (Ed. Primata, no prelo).

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