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Canto Geral – entrevista a Anna dos Santos, fundadora da primeira livraria de Seropédica


Da esquerda para a direita: Pollyana Faria Lopes, Pablo Lima e Anna dos Santos, fundadores e livreiros da Canto Geral

Naíse Domingues – Como a Canto Geral começou?

Anna dos Santos – A Canto Geral surgiu muito pela carência de aparatos culturais na cidade. Não tinha muita coisa nesse sentido, e o pouco que tinha era sempre dentro da universidade. Pablo e Pollyana já se conheciam e tiveram a ideia em dezembro de 2017, num processo de se reconhecerem moradores de Seropédica, e não só universitários de passagem, e, então, havia uma necessidade de contribuir com a cidade. Já eu estava prestes a ir embora. Estavam ocorrendo com muita frequência casos de estupro no campus, e isso me abalou muito psicologicamente. Eles queriam uma terceira pessoa no projeto, mas não queriam procurar, tinham certa confiança de que apareceria naturalmente. E eis que um amigo em comum, na época, nos apresentou, e foi amor à primeira vista. Fiquei apaixonada, e acho que eles também (risos), e a ideia de ter algum espaço que pudesse tornar a vida em Seropédica mais leve me deu muita esperança. No mesmo dia em que a gente se conheceu, ainda no fim de dezembro, eles propuseram a parceria e eu desisti de ir embora da cidade e topei na hora. A livraria mudou tudo...


Da esquerda para a direita: Pablo, Anna e Polly

"(...) muita gente veio com esse relato de que sempre sentiu falta de uma livraria na cidade, ainda mais sendo uma cidade universitária, então fomos só as pessoas que pegaram essa ideia no ar e colocaram concretamente no mundo."




ND – Para vocês, qual a importância de terem sido a primeira livraria de Seropédica?

AS – A gente costuma dizer que a ideia de ter uma livraria em Seropédica já pairava no ar. Depois que a gente concretizou, muita gente veio com esse relato de que sempre sentiu falta de uma livraria na cidade, ainda mais sendo uma cidade universitária, então fomos só as pessoas que pegaram essa ideia no ar e colocaram concretamente no mundo. E, claro, com a colaboração de muita gente!


ND Vocês fazem algum trabalho com o viés cultural na Canto Geral? Se sim, como é?

AS – Fazemos! Mas queremos fazer mais. Esse foi um dos motivos de termos mudado para o Espaço Cultural Casarão, queríamos um lugar maior para fazer mais eventos. Nós fizemos algumas edições de Clube do Livro, alguns encontros de leitura de poesia e lançamentos de livro. Íamos começar com a contação de histórias também, mas a pandemia não deixou. No mundo pós-corona, queremos retomar essas atividades e ir tirando outras ideias do papel...


Anna dos Santos no interior da Canto Geral

"O interesse pela música surgiu muito por conta das composições, então tá diretamente ligado ao amor pelas palavras. (...) sempre digo que música também é literatura, não só e não sempre, mas também é. (...) coloco muito de mim em tudo o que eu faço, com a discotecagem não é diferente, e se eu sou múltipla, também múltiplos são meus interesses e os meus modos de expressão."


ND – Por falar em cultura, você também é DJ no Baile da Fulô. Pode contar mais sobre esse trabalho, como pensaram nessa junção do baile com a Canto Geral?

AS – Na verdade, a junção não foi exatamente do baile com a livraria. O baile acontece no Casarão, que é também onde a livraria mora, digamos. O que acontece é que, depois que a gente criou a Canto Geral, muita coisa passou a parecer "mais possível", porque aquela ideia, que surgiu flutuando na cabeça, tinha se materializado de fato. Isso acabou inspirando a materialização de outros projetos, e um deles foi o Casarão, que é um espaço cultural e colaborativo, que, desde o início, conta com várias atividades. Eu sempre gostei muito de música e fiz muita pesquisa nesse sentido, então, quando surgiu a primeira inauguração, rolou o convite pra tocar, despretensiosamente. Eu ainda não tinha equipamento, técnica nem experiência, mas tinha um repertório ali pra oferecer. O resultado foi positivo, a gente foi definindo um formato mais fixo, e surgiu, então, o Baile da Fulô, um evento de forró — que é um gênero muito forte aqui em Seropédica — e de outros ritmos brasileiros. E, como a livraria e o Casarão são projetos parceiros, e a gente tinha também a demanda de mais espaço, nós decidimos mudar a livraria para lá, ocupando uma das salas da casa. Então, hoje, o Casarão conta com a livraria, um atelier de costura, uma cantina, atendimentos terapêuticos e os eventos.


ND – Como você relaciona seu trabalho de escritora com o de DJ? Eles se complementam ou se influenciam de alguma forma?

AS – Eu adorei essa pergunta porque já tive uma crise de identidade em relação a isso. Quando me vi me interessando de verdade pela coisa da discotecagem, eu pensei: caramba... nada a ver... poeta e DJ? Não combina... (risos). Sobretudo no meu caso, com uma poesia que trata de coisas densas e, muitas vezes, melancólicas. Mas acho que foi bobagem ver assim, não acho nada incoerente. O interesse pela música surgiu muito por conta das composições, então tá diretamente ligado ao amor pelas palavras. Depois fui me atentando pra outros aspectos da música, e há muitos anos passo horas me dedicando a pesquisar artistas, músicas, álbuns. A discotecagem foi só um lugar que encontrei que me possibilitava colocar pro mundo o que eu já fazia por paixão: essas pesquisas, essa escuta atenta. Eu mostrava muita música pros meus amigos, apresentava artistas, e ver que isso podia ser um trabalho, que eu podia fazer isso bem e que mais gente poderia gostar foi lindo. E vejo um lado poético nisso de levar música pras pessoas. Além disso, sempre digo que música também é literatura, não só e não sempre, mas também é. Por fim, coloco muito de mim em tudo o que eu faço, com a discotecagem não é diferente, e se eu sou múltipla, também múltiplos são meus interesses e os meus modos de expressão.


ND Na opinião de vocês, qual é a importância de articular duas áreas relacionadas à cultura, a literatura e a música, em Seropédica?

AS – A gente tem uma compreensão holística disso. Entendemos que a natureza das áreas se complementa. Ao mesmo tempo, a música comove mais diretamente, com o livro a gente entende que é preciso construir uma cultura de leitura. A gente é livraria, mas é, também, loja de discos, e isso não é à toa. As duas coisas estão muito presentes nas nossas vidas e, consequentemente, nesse projeto. Tá sempre tocando música na livraria, a gente tem uma playlist nossa também... a música chama as pessoas. E chamar as pessoas é um dos nossos maiores objetivos.


ND – Como escritora, qual seu principal objetivo em promover ambientes de trocas culturais?

AS – Como escritora, eu saí do armário tem pouco tempo, né? Escrevo desde sempre, mas nunca divulguei muito, por medo, por insegurança. Tinha um blog, mas vivia mais privado do que aberto, então me colocar nesse lugar, me entender como artista, é uma coisa muito nova pra mim. O livro representou muito esse movimento. E por que digo isso? Porque esse trabalho de promover ambientes de trocas culturais não veio daí, dessa Anna escritora ou poeta. Vem da Anna curiosa, que escreve, mas que trabalha com cultura, que tem interesse em trocas artísticas em geral. Eu acredito muito na arte, sem papo romântico de que é isso que muda o mundo, mas sem negar isso enquanto uma potência de transformação, um lugar de expressão e de encontro consigo e com o outro, e é, principalmente, alguma coisa que ajuda a dar sentido. Então, eu gosto da ideia de poder contribuir pra que mais gente encontre esse lugar, que mais gente sinta um pouco desse negócio. É preciso dançar a existência pra seguir existindo, e a arte pra mim tá por aí. Meu contato com certos poemas, certos filmes e certas músicas mudou minha vida de maneira decisiva e profunda, e eu não sei se isso se explica com palavras. Dá vertigem. E, se eu puder movimentar minimamente as peças do mundo pra que mais gente sinta esse impacto, ou pra reunir gente que também sinta esse negócio, então já tá fazendo sentido. E, claro, agora me reconhecendo como poeta, tem sido enriquecedor trocar sobre os próprios processos de escrita também...


ND – Pensando no contexto da pandemia, quais são os próximos planos para o Baile da Fulô e para a livraria?

AS – A gente quer voltar. Faz muita falta o calor humano, a troca rica que esses espaços proporcionam. Com a pandemia, a gente teve que ser criativo. Colocamos uma campanha de financiamento coletivo no ar pra ajudar a segurar as pontas, começamos um podcast de literatura, fizemos uma ação de leitura de poesia no nosso Instagram... Estamos buscando maneiras de continuar vivos e ativos nos nossos ideais. Também estamos esperando o resultado da lei Aldir Blanc e, enfim, esperando, como o resto do mundo, por uma vacina que nos permita voltar a juntar pessoas, promover ambientes de troca e fazer tudo o que a gente gosta de fazer...



Entrevista concedida a Naíse Domingues.


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Anna dos Santos gosta de sol e de desbravar caminhos. Por urgência e desassossego, escreve poesia e estuda filosofia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). É cofundadora da Canto Geral, primeira livraria de Seropédica, da qual ainda é colaboradora, embora tenha se afastado da função de gestora em 2021. Atua como DJ residente do Espaço Cultural Casarão, também em Seropédica, e iniciou este ano a Braba, loja virtual de biquínis e roupas confortáveis, com sua irmã Rafaella dos Santos. Publicou seu primeiro livro, Um rosto morno é uma folga, pela Macabéa Edições, em 2020.


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Naíse Domingues é jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalhou na redação dos jornais O Globo e Extra. Atualmente, é diretora de conteúdo no coletivo de comunicação Kobá e repórter de direitos humanos na ONG Uma Gota no Oceano.

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