tenho vontade de comer maçã
quanto mais vontade
mais história
escorrendo pelas frestas
canhões ao longe
e bruxas enforcadas
tenho vontade de comer maçã
há uma árvore em meu quintal
não tenho a chave de casa
nem posso pintar paisagens
tenho vontade de comer maçã
tacar fogo no paraíso
desembrulhar deus de cabeça pra baixo
pegar em meus seios nus
tenho vontade de comer maçã
pego
descasco
como
depois vomito os restos em sua louça lavada.
*
quase chegando
aos trinta
quando chegava
aos vinte
pensava que nenhum prédio
era alto demais para minha dor
quando sentada na gangorra
do abismo
pensava escutar a voz
de tudo
a voz da vida
rosnando segredos
era o ruído da morte
me avisando chega
me pedindo fica
um pouco mais
há outras pracinhas
para passear
antes de ir.
*
bolo de aipim com café
devia ser o centro da vida
minha vó avisou
ninguém quis
escutar
minha vó
que tinha cheiro de café
minha outra vó
que tinha o mesmo
cheiro
minha vó
que se apoiava na piscina
e a outra
que esquecia o passado
todo
minha vó
que tinha a mão do tamanho
da minha
vó que era tão cansada
e cheia de coisas
engavetadas
que saudade, meu deus!
que coisa descontrolada
bolo de aipim deixa a gente
louca e tonta
que nem memória
guardada numa boia
a flutuar no mar.
_
Priscila Branco é poeta e escritora, mestre em literatura brasileira e pesquisadora de poesia contemporânea escrita por mulheres, editora da revista toró e bebedora compulsiva de café. Também faz parte do NIELM - UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura) e do grupo de pesquisa Mulheres na Edição (CEFET - MG). Seu primeiro livro de poemas (primeiro a ser divulgado), açúcar, está para nascer em breve.
Adorei os poemas.