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Trajetória: o seu cheiro no meu cheiro


Dainis Graveris ©

Respirar é meteção, sei e sinto: subindo enfiado pelo ventre do nariz um cheiro de pele atinge o cume do cerne, um cheiro de açúcar queimado grudado no prelo, no pelo, na embalagem, gel de língua - e dói minha cabeça pulsando pulos pequenos, bem perto da testa, o momento quase: o cheiro invade todo o quarto, forte, um presente, algo de ontem, algo de ultrapassado, tempero de carne, quente arroxeado, algo de reservado, distante e muito molhado, próximo do hálito, do lençol; nasce e dorme o gozo no mesmo travesseiro, cheiro de fruta madura, menina, cheiro de terra, estrógeno, cheiro de bicho, ainda é cedo, ainda é; nuca, poro, colo, cheiro de sono, fronha amarrotada, banho fresco e hortelã; feira de domingo, cebola frita, café coado, suco do que cai maduro do pé, mulher: goiabada, maçã mole, quente, melada, amêndoa torrada, vai: Dai é também dia / e nasce nas vias / nas narinas / um sopro que é casa / quando é manhã / cheirando ainda a sal / morte-vida: interrompida / constipada / animal.







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Gabriela Soutello é escritora e jornalista, autora do livro de contos Ninguém vai lembrar de mim (Pólen, 2019), contemplado pela 1ª. Edição do Edital de Publicação de Livros Para Estreantes da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e vencedor do 1º Prêmio Mix Literário, do Festival Mix Brasil. Participa, com um conto, da antologia A Resistência dos Vaga-lumes (Editora Nós). Teve passagens pelas redações da Revista Cult e da Deutsche Welle Brasil, na Alemanha, para as quais produziu artigos e reportagens sobre arte e cultura. Atualmente, trabalha com as redes sociais da Netflix Brasil.

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