godard, você e todos eles
a língua nunca será linguagem, nem por qualquer
desvio aleatório. impossível um coração virar
guarda-chuva, assim como emile dickinson virar
pizarnik. eu bebo uma cerveja, coloco a perna
sobre a cadeira e penso no kama sutra néon. se eu
não tivesse visto “imagem e palavra”, de godard,
não haveria orelha para a escuta, só passos
vacilantes, respiração curta, nem cerveja
para beber.
*
escava faz aberturas em mim
descasca os araticuns maduros
traz as labaredas a sina
faz de meu pranto luz
de minha voz
lua que não seca
*
nesga tronco regaço
na linha do equador a morte submarina
quente como a carne que corta
o rosto dadaísta da mulher nua no espelho
bela bela
liquefeita na porção de um pequeno espaço
com a boca trancafiada no silêncio
seria tão simples não morrer
*
gloria
ao escutar a voz de patti smith,
cantando naquela manhã gloria, fiquei doida.
me cobri de morim branco
e acordei para dentro de sua voz:
racimo de sal.
saltava o silêncio escuro, sereno.
lá pelo meio-dia: gloria.
gloria apaga de meu corpo toda dor,
enquanto a tarde que se anuncia sopra caceias
e vozes de peixe:
gloria.
_
Fátima Pinheiro nasceu em Bagé/RS e vive no Rio de Janeiro/RJ. É psicanalista, escritora e artista visual. Lançou o livro sim, é (BLANCHE/PR), em dezembro de 2020, na Livraria Argumento/RJ. Publicou poemas na “Macabéa”, “Mallarmargens” e na edição anual da “Zunái” (2020). E-mail: mariafatimapinheiro01@gmail.com
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