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Três poemas de Mika Andrade


© Macabéa Edições

tenho predileção por poemas

que atravessam a paisagem

o quintal na casa da minha avó

era um poema todo escrito de melancolia

as paredes cinzas

quase cobertas com lodo

seu quarto era algo tão solitário

quanto a sua ausência

a cama sempre arrumada

tudo no lugar

como se ninguém dormisse ali há anos

porém, não havia poeira

mas havia sombras

o corredor me acompanhava até a cozinha

junto com um sentimento

tão preenchido de amor e quentura

que às vezes eu achava ser mormaço

seu rosário atravessa o tempo

que atravessa meu corpo

que atravessa a tristeza

que atravessa a certeza

de que esse poema me atravessa

mas permanece

*

seu líquido invade meu corpo

como uma correnteza

o líquido vai se transformando

em grande onda

tsunami

que arrebenta-se em mares

inunda florestas

e proclama liberdade

*

virar-se de costas

e perceber

que dentes, facas e garfos

estão cravados

em você

virar-se de costas

e partir

como se as traições

decepções e mentiras

não estivessem

sendo carregadas

em suas próprias costas

feito uma mochila

ANDRADE, Mika. Poemas obsessivos. Fortaleza. [Edição independente], 2020.



Curadoria de Danuza Lima para a ação Cartografias do afeto.

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