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Regina Azevedo: "Dizer amor como quem diz festa" – entrevista



© Lysa Rodrigues

Regina Azevedo é poeta, nasceu em Natal, em 2000, e publicou os livros de poemas Das vezes que morri em você (2013, Jovens Escribas), Por isso eu amo em azul intenso (2015, Jovens Escribas) e Pirueta (2017, Selo duBurro), além de alguns fanzines, como Carcaça.


Valeska Torres – Quando começou o seu interesse pela poesia? Me conta também da relação da sua família com a literatura e com seus escritos. Vi uma entrevista sua, publicada pelo canal de YouTube Natal RN, em que você diz que alguns dos seus poemas contam um pouco sobre a história dos seus avós, afinal, que histórias são essas? Conta um pouquinho.

Regina Azevedo – Sempre escrevi, mas aos doze anos foi que me disseram que alguns dos meus escritos, escondidos na última página do caderno ou no Tumblr, poderiam ser considerados poesia. Sempre escrevi porque sempre foi algo natural, a escrita nasceu comigo. Meus avós criaram quinze filhos no Riacho da Palha, interior do interior de Caicó. Um alfabetizava o outro. Estudar, aprender a ler e escrever era mais uma das tantas batalhas. Eu ia para a escola à tarde e, pela manhã, ficava na casa dos meus avós (já morávamos todos em Natal). Quando comecei a aprender a ler e escrever, quis ensiná-los também, porque era um jeito de estarmos juntos. É isso: comecei a escrever para estar perto dos meus avós, para me conectar. Gostava de segurar na mão da minha avó, como a professora fazia comigo na escola, e ensaiar junto a ela o seu nome. Meu avô sabia escrever algumas palavras, como o nome dele, o meu, o de vovó. Passamos muitas manhãs assim, entre o programa do padre que vovó ouvia no rádio, os fuxicos que costurava e as andanças do meu avô, que gostava mais do que tudo de bater perna, ir do mercadinho à barbearia. Ele nunca voltava sem uma balinha de café ou hortelã para mim, disso eu lembro bem. Lembro do cheiro dele, do cheiro que infelizmente não ficou impregnado em suas roupas depois que ele se foi, em 2009. Mais tarde, em 2015, minha avó estava muito doente, a família veio do interior para se despedir dela, sabíamos que aqueles eram seus últimos dias. Eu quase não saía de perto dela, e senti uma necessidade – como temos necessidade de beber água – de escrever sobre ela e meu avô, sobre minha infância, sobre as letras que desenhamos juntos. E fiz um zine: Carcaça. Está na internet, gratuito.


VT – Como é sua relação com a cena poética da sua cidade? Você organizava o Sarau Iapois, Poesia!, qual foi a importância para a sua escrita e para a relação com os/as poetas da sua cidade após esse sarau? Bibliotecas e livrarias da sua cidade são importantes espaços para a sua formação?

RA – Conheci saraus e slams de poesia antes de conhecer livros de poesia. Fui muito inspirada e incentivada por Daniel Minchoni, poeta de São Paulo, e alguns outros como Eveline Sin, Anna Zêpa, Victor Rodrigues, Bobby Baq, Pedro Tostes. Antes da palavra escrita, a palavra falada. Foi assim que comecei a gostar de poesia. Eu via pela internet alguns encontros de literatura em SP, como o Sarau do Burro, o Menor Slam do Mundo, o ZAP Slam, o Slam da Guilhermina, a Balada Literária, do Marcelino (que amo tanto), e quis fazer um encontro desses aqui em Natal. Muito inspirada também pela Ação Leitura, organizada aqui na cidade por Carlos Fialho, da Jovens Escribas, criei o Iapois. A ideia era se reunir despretensiosamente para ler, falar, ouvir poesia. Vez em quando, reuníamos escritores e leitores – como um só, sem diferenciação. Estiveram no Iapois pessoas como Ana Elisa Ribeiro, os já citados Daniel Minchoni, Anna Zêpa, Eveline Sin, Gregorio Duvivier, Marcelino Freire, Carito Cavalcanti, Chacal, Nicolas Behr... Tanta, tanta gente. Eu acredito nas palavras de Sérgio Sampaio: “lugar de poesia é na calçada”. É também na biblioteca, na livraria. Mas aqui em Natal a poesia está, sobretudo, nas calçadas, nos bares, no Beco da Lama. Um grupo em atuação que admiro muito é o Insurgências Poéticas, mas também atuam ou já atuaram a SPVA, o Poesia Esporte Clube...


VT – O que significou para você publicar seu primeiro livro aos treze anos de idade?

RA – Significou sorte e generosidade. As pessoas ao meu redor foram muito generosas comigo: os escritores, amigos e família. Sempre tive consciência disso. Há gente muito talentosa que demora muito para publicar um livro porque não tem apoio nem consegue fazê-lo sozinho. Isso me abriu os olhos para sempre tentar ser generosa também.


VT – Ainda sobre a entrevista dada ao canal Natal RN, você afirma que os/as poetas são muito importantes para a sua trajetória por conta de todo o apoio manifestado por eles/elas. Que poetas são esses/essas? E porquê?

RA – Todos os poetas que já citei são muito importantes. Mas vou aproveitar o espaço e contar uma história: em 2017, Marcelino Freire me chamou para ir à Balada Literária, em São Paulo. Eu era menor de idade, ainda, e isso causou um grande problema com o Sesc, que estava produzindo o evento. De última hora, soubemos, eu e Marcelino, que minhas passagens e hospedagem estavam canceladas. Marcelino não desistiu, fez o impossível e garantiu que eu estivesse lá, inclusive com minha mãe ao lado, o que era imprescindível. Fizemos uma campanha pela internet e muita gente ajudou, mas especialmente dois outros escritores, além do próprio Marcelino: Carlos Fialho, que me cedeu metade do cachê dele, para ajudar com as passagens, e Nicolas Behr, que doou uma quantia generosa, e ainda disse que era “dinheiro ganho com poesia, que seria usado para poesia”.


Acervo da autora.

VT – Adelaide Ivánova afirma na zine Mais Nordeste, por favor!, na qual você participa com o poema "O sertão sou eu", o quanto a academia relega a produção nordestina, e eu, particularmente, percebo que não só a academia como também o eixo São Paulo e Rio de Janeiro. Quais são suas experiências e apontamentos dentro desses dois espaços?

RA – Sim, ambas as afirmativas estão corretas. Vejo um pensamento muito comum, naturalizado no discurso, que acredita que há “a poesia brasileira” e “a poesia nordestina”, por exemplo. Geralmente, quando fazem uma seleção da tal “poesia brasileira”, não há poetas nordestinos. Os poetas nordestinos normalmente são convidados apenas quando há esse recorte temático. Um erro. Uma falha. Não acredito em espaços que não sejam plurais, acho que o trabalho de curadoria exige muita responsabilidade. Vimos, não há muito tempo, criarem um evento só com poetas brancos, salvo engano nenhum nordestino, e chamar esse recorte de “poesia contemporânea brasileira”. Façam o favor, né?!


VT – O poeta Francisco Mallmann tem um poema em que ele diz "eu devo ser um ser do meu tempo" e traz diversas questões sobre ser um poeta vivendo no século XXI. O que é ser, para você, uma poeta do seu tempo? E como você analisa a relação dos/das poetas de diferentes gerações vivendo nesse tempo de agora?

RA – Acho que a poesia permite justamente investigar que tempos são esses – e esses tempos, às vezes, se transformam, retornam. Sou uma poeta do meu tempo, também. Tenho medo dessa pandemia, tenho medo de morar nesse país com esse presidente e com quem o elegeu.


VT – Em meio à pandemia de Covid-19, como tem sido escrever, ler e, basicamente, viver na atual conjuntura?

RA – Difícil. Um dia de cada vez. Depois de muitos meses sem escrever, ontem escrevi dois poemas. É como cortar o cabelo sozinha (coisa que também fiz) ao som de Gal Costa: um alívio, uma sensação de estar viva.


VT – Qual livro você acredita que todas as pessoas deveriam ler? Por que?

RA – Olhos d’água, de Conceição Evaristo. Porque é doloroso e poético. Porque é sobre o Brasil, sobre esse país com um passado não resolvido, um país erguido com sangue.


VT – Conta seus planos para esse difícil ano de 2020!

RA – Permanecer viva e bem. Escrever. Ler. Um desejo: que meus gatos se deem bem.


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Para saber mais sobre a autora, acesse: <www.reginazvdo.tumblr.com>.

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