Estava nua. Alma exposta. Sentia uma pulsação ansiosa de alegria. Era o contato com o seu eu mais divino. Através do toque do outro, tinha contato consigo. Através do gozo, seus véus caíam para que visse a continuidade dela mesma, na realidade primordial da criação. Através da comunhão, acessava o coração. Sentir, por dentro, outro corpo vibrante, era penetrar em si, e nos seus diversos eus passados, deixando livre sua substância para ser tomada naquela troca. Reciclava-se em energias transmutadas. Partes mais atentas do corpo desmanchavam-se em imaterialidade. Outras confusas, perdiam-se de prazer e esqueciam do que não lembravam. Desmembrava-se então em partículas ínfimas. E depois voltava. Algo em sua essência satisfazia-se do contato, mesmo que breve, porque livrava-se da mentira insana de que estamos separados. Podia novamente, ali, tocar no todo do qual fazia parte.
Amanheceu. Foi caminhando de volta para si. Estava na direção de um romance. Seu primeiro. Tudo a levava para a escrita. Cada passo dado ia na rota daquela eclosão. Colhia, a todo instante, flores ou dores de inspiração. Tornara-se ela, a própria palavra.
Palavra. Expressa por escrito. Sentia-se a materialização da poesia. Poesia que dança na prosa. Sentia-se o próprio deleite de escrever. O gozo de estruturar algo. A tentativa prazerosa de transformar palavra em arte. Era a próprio impulso daquela construção.
A noite passada, em sua calidez, muito a inspirara. O contato, a troca de energias, os sorrisos, a respiração ofegante... Grãos que germinavam sua escrita, que faziam brotar sua mais atual paixão. Se há toque, há sensações. O sexo era, para si, uma manifestação pura da eternidade. Poesia do toque, do gozo. Poesia oscilante, ritmada. Arte do prazer. Metáfora pura do carinho. Entregara-se por inteira, e a literatura transbordava.
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Lita Sahun é escritora, atriz e professora. Estudou Letras pela UFRJ e Artes Cênicas pela Escola Estadual de Teatro Martins Penna. É autora de Retorno à Mãe do Corpo (2012) e Várias (2017).
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