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O direito ao grito

Atualizado: 16 de nov. de 2019



Fundada em 2017, a Macabéa Edições propõe-se a publicar obras de mulheres e sobre mulheres, em uma perspectiva ampla: trabalhos de ficção e não ficção, em todos os gêneros textuais, marcados pelo protagonismo, vivência ou ponto de vista femininos. A publicação por uma linha editorial especializada proporciona às autoras ações de divulgação e atendimento direcionadas, além de poderem contar com maior protagonismo e acolhimento do que caso suas obras estivessem publicadas dispersamente em catálogos abrangentes.


A iniciativa surgiu a partir da vivência das editoras no âmbito acadêmico, em que pouco se falava sobre escritoras, principalmente escritoras negras. A partir disso, iniciou-se um breve (e revoltante) estudo sobre o apagamento das mulheres no meio literário, assim como nos espaços políticos como um todo. Um exemplo contemporâneo, entre tantos outros, é Conceição Evaristo, que, apesar de reconhecida nacional e internacionalmente, ainda sofre tentativas de apagamento: escritora negra e mineira, nascida em uma favela da Zona Sul de Belo Horizonte, formada em Letras pela UFRJ, mestra em Literatura Brasileira pela PUC e doutora em Literatura Comparada pela UFF. Sua literatura é marcada pela voz e trajetória de mulheres negras seja em conto, romance ou poesia.


Seu livro Olhos d’água (Pallas Editora, 2014) foi finalista do prêmio Jabuti no ano de 2015 na categoria “contos e crônicas”. Seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio (Editora Mazza, 2003), “foi incluído nas listas de diversos vestibulares de universidades brasileiras e vem sendo objeto de artigos e dissertações acadêmicas”.¹ Também foi traduzido para o inglês (Host Publications) e o francês (Editora Anacaona). Mesmo com todo o reconhecimento de sua trajetória enquanto pesquisadora e escritora, Conceição ainda enfrenta processos de apagamento. Em 2018, a Academia Brasileira de Letras praticamente ignorou o apelo popular de mais de 25 mil assinaturas e a hashtag #ConceiçãoEvaristoNaABL² ao deixar de eleger a escritora como imortal em seu restrito “clube” de homens majoritamente brancos e que não assume comprometimento algum em relação à representatividade de grupos marginalizados.


Ora, se uma escritora consagrada como esta ainda sofre com a recusa institucional em reconhecer sua obra, o que não passa, então, uma escritora iniciante e sem possibilidade de investir financeiramente em publicação e divulgação? É pensando nisso que a Macabéa Edições se preocupa em publicar mulheres, sobretudo aquelas que não podem viabilizar os custos do processo editorial. E não somos poucas, diversos movimentos de divulgação de escrita feminina têm se desenvolvido em plataformas de mídias sociais e blogs independentes com o mesmo objetivo: de modificar esse cenário de invisibilidade, como o caso do Leia Mulheres, Leia Mulheres Negras, Mulheres que Escrevem, KDmulheres?, Fale com Elas, Revista Mães que Escrevem, Literatura Negra Feminina etc.


A Macabéa, então, renasce para somar a essas vozes com uma breve e objetiva resposta: não há mais espaço para o anonimato feminino. Acreditamos na potência dessas plataformas em voltar os olhos às autoras que muito foram desprezadas e em sua contribuição para modificar o cenário branco-elitista, e um tanto corporativista, que ainda ocupa essa esfera. Afinal, foi a partir da movimentação independente dessas organizações mencionadas que nomes como Maria Firmina dos Reis (Úrsula) e Carolina Maria de Jesus (Quarto de despejo) receberam alguma atenção.


Nesse sentido, entendemos que não é mais concebível que obras produzidas por mulheres sejam sistematicamente ignoradas. Não há mais como aceitar que mulheres publiquem apenas sob pseudônimos masculinos ou dependam de elogios de escritores homens consagrados para serem reconhecidas. Para os que duvidam, a própria projeção crescente desses trabalhos é a prova de seu apelo e importância. Nada disso veio de graça, é claro: a cena literária cada vez mais ocupada por mulheres é fruto de disputas, de muito suor e, sobretudo, de coragem. A coragem de publicar e acreditar que a literatura feminina, feita por mulheres, para mulheres, é relevante e necessária.


A Macabéa é um grito que não pode ser silenciado. Um potencial de expressão da mulheridade, em diversos gêneros textuais. Após um período de reestruturação, a iniciativa, que começou como um selo de um grupo editorial, retorna agora como editora independente para que sua atuação seja ainda mais afinada com sua proposta política, evidenciando o protagonismo feminino em cada etapa do processo de criação literária e acadêmica, edição e publicação, em contato ainda mais íntimo com suas autoras e livre, inclusive, para flexibilizar propostas editoriais, sem ter de atender a interesses diversos.


Vamos juntas?








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