Moinho
Às vezes parece que eu vou virar uma árvore
ou uma asa
pra voar dentro do meu cabelo
onde eu tenho a impressão de estarem nascendo ingás
ou fios prateados,
que bem poderiam ser linhas de lã
costuradas com cachos de mar.
Pode ser que eu esteja virando uma onda
e que meu cabelo, ao invés de folhas, seja uma espiral
de maré alta com fios de espuma branca.
Ou ainda o vento.
Talvez o cacho seja um tornado
e a cor de um relâmpago clareie de branco elétrico
os fios da superfície.
Acho mesmo que o que está nascendo
é querela de passarinho,
meu cabelo é um ninho,
onde nasce mato e fruta
novelo e moinho.
Tudo começa com a língua
Enquanto giro a língua quatro vezes em sentido horário,
para alongar o espaço do trato vocal,
eu engulo a saliva acumulada de palavra não dita.
A língua tem praticado a linguagem – ginástica muscular
de movimentos instáveis entre os dentes e o palato duro –
com vistas a extrair semântica atrofiada.
Após o exercício, ¼ de poeira da extração
é arrastada pela língua para debaixo dela mesma
e, cerca de trinta minutos depois, quando a brisa da semântica bater,
a palavra começa a derreter psicossílabas,
expandindo a articulação da voz-gesto.
tudo começa com a língua.
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Adrielle Rezende é licenciada em música pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Integrou, entre outros, o grupo de pesquisa ARTEDIFE - Arte, Diferença e Educação. É no território da arte, atravessada pelos estudos da voz, com formação passando pelo canto lírico e popular, que aprofunda sua relação com a palavra. Outros desenhos, a partir dessa relação, começaram a compor o mapa da sua existência artística e docente, em que canto e cotidiano se oferecem como campo de experiência para sua escrita.
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