Uma infância suburbana no calor do verão carioca. Uma poeta que escava a própria história para nomear o que nunca teve nome. Um livro em que cada poema é poeira cósmica e ferida aberta. Assim é o carro de apolo capotou no horizonte’ novo livro de Milena Martins Moura, poeta, editora, pesquisadora, mulher autista e semifinalista do Prêmio Jabuti 2024.
Após o potente O cordeiro e os pecados dividindo o pão, Milena retorna com um livro de fôlego narrativo e poético raro. Com humor ácido, lirismo feroz e um domínio espantoso da linguagem, ela percorre memórias e traumas da infância à idade adulta, compondo uma travessia entre a menina “infeliz num cantinho” e a mulher que escreve “porque só os vivos têm por que escrever”.
A escrita aqui é carne, suor e raiva. É também ciência celeste, estudo da dor, da entropia e da ausência. Em um mundo que falha em acolher as diferenças, Milena firma sua voz como quem ergue um grito com as duas mãos. Misturando mitologia, cotidiano periférico e crítica social, seus poemas criam um universo próprio, no qual Apolo, Medeia e Christian Doppler dividem o mesmo céu quente de Madureira.
O livro parte de um projeto estruturado para pensar o processo de escrita por meio do acréscimo de sentido surgido das ausências. Examina os limites do poema: o difícil ato de verbalizar o que está antes da palavra. o carro de apolo capotou no horizonte deixa o processo à mostra em seus apagamentos, investigando o caminho da palavra até o papel e se configurando em um caderno de rascunho propositalmente inacabado em sua versão final.
A edição traz ainda textos críticos fundamentais: prefácio de Luizza Milczanowski, que apresenta a obra como uma odisseia suburbana entre poeira estelar e os escombros da infância; posfácio de Ana Luiza Rigueto, que lê a poeta como uma força de teimosia e invenção, capaz de costurar ódio e amor numa mesma linha; e orelha de Thaís Campolina, que insiste na dor de existir como fomento da escrita. Com curadoria e edição de Priscila Branco e Bianca Monteiro Garcia, o livro é também um artefato visual, com projeto gráfico de Caroline Silva e ilustrações da própria autora.
o carro de apolo capotou no horizonte é para quem já se sentiu estrangeira na própria pele. Para quem tenta entender o caos e, mesmo sem respostas, continua.
o carro de apolo capotou no horizonte
Milena Martins Moura